sábado, 26 de setembro de 2009

Narração

Tudo estava tão silencioso. Os dois lado a lado no sotão, encarando as bolas de poeira que corriam com o vento que entrava por uma fresta à esquerda. Ele tentava dizer, ela tentava ouvir, nenhum obtendo sucesso. Ela gritava em sua própria cabeça:
- Acabe com o silêncio! Preciso ouvir sua voz.
Ele afrouxou a gravata em seu desespero contido, fitou o teto, voltou à poeira e finalmente chegou aos olhos dela. Olhos negros e suplicantes. Tentou, mas acabou por engolir as palavras, intensificando o silêncio.
Os dois pareciam aqueles personagens de animação do Tim Burton, crianças cabeçudas, magras, compridas, com olheiras e aparentemente com muito pó de arroz nos rostos expressivos. Ela de branco, ele de preto, no sotão sem cor.
Para a surpresa geral da nação e para animar a narração, ele se levantou de súbito e caminhou pesadamente até a janela, abrindo-a com certo esforço. Voltou-se para ela com a luz do luar na nuca, ela sorriu um meio sorriso e pôs-se de pé. Ela andava até ele e eu - até então, meramente narrador observador - queria muito saber o fim da história, mas tornei-me narrador personagem ao quebrar o silêncio do lugar, esbarrando numa garrafa empoeirada. O jovem de preto logo me localizou, e tirou-me de meu esconderijo perfeito, atrás de um velho baú. Mesmo sendo fraco, era muito maior que eu, o que me intimidou. Ele me ergueu pelo colarinho enquanto a garota levava as mãos à boca, em horror. E aí quando eu vi, não estava vendo mais nada.

Um comentário:

Ila Marinho disse...

Ainda não sei o que você é,narrador.