A maresia dominou minhas narinas; há muito que essa minha vontade de aventura me espetava as entranhas e eu finalmente poderia acalma-la. Amarrei um lenço na testa n'uma tentativa frustrada de manter meus cabelos no lugar, mas desisti dos dois e fui caminhar pelo convés, onde homens barbudos passavam o tempo. As nuvens se emaranhavam cada vez mais no horizonte, negras de tão carregadas, e nós nos dirigíamos diretamente à elas. Os homens encaravam a tempestade como quem encontra um velho rival - sorrindo sorrisos que seriam marotos se já não fossem esburacados - largados no madeiramento, esperando alguma coisa acontecer. O maior deles, de cabelos escuros, surgiu de um par de portas e após alguns segundos de análise, num urro determinado, pôs todos os outros de pé. Os marujos, ainda meio abestalhados, se esbarravam pelo local puxando cordas e içando velas em extrema velocidade. O motivo? Duas outras embarcações se aproximavam da nossa. Num salto me pendurei no mastro principal e o escalei, procurei os olhos do capitão e ele correspondeu com um aceno de cabeça, revelei nossa vela vermelha e desci com o facão entre os dentes.
Como dizem, sangue e vinho derramados no convés quando de repente surgem dez canhões. A partir daí não demorou muito, degolamos os manejadores dos tais canhões e miramos na segunda embarcação inimiga. Depois disso, enquanto os homens saqueavam, voltei ao meu mastro sujo, porém intacto, mas fui resgatada de meus devaneios pelos cabelos negros que pendiam sobre o meu rosto, os cabelos dele, ele estava àquela distância perigosa que sempre resultava em diversão para nós enquanto os outros bebiam e brindavam à própria cólera. E nos aproveitamos assim da escuridão da madrugada chuvosa, da embriagues e um do outro.
Chove, chove, chove, relampeja, troveja, a luz apaga, sinto seu calor, seu medo, chove, a luz acende, chove, o céu abre, pinga, o sol ilumina, seca, cabrum, chove, chove e você fica, chove, chove e você sorri, um sol ilumina, chove.