Eu lembro bem, éramos crianças, crianças normais, crianças que viveram, não dessa nova geração de crianças loucas que vão pra balada a noite e ficam no Orkut até tarde, éramos apenas crianças. Eu e você naquele parque perto de casa, você jogava bola com a sua turma e eu pulava amarelinha com a minha, no quadrado cinco sua bola resolveu me conhecer, caí de bunda no chão e esfreguei o rosto com as mãos sujas, minhas mãos me encararam cheias de um vermelho vivo enquanto todas as minhas amigas gritavam e se desesperavam. Seus amigos riram, mas quando o vermelho chamou a atenção deles, todos correram até mim. Você tirou a camisa nem tão limpa do corpo e secou meu rosto, lembro de pensar 'eca, é um menino', mas estava muito atordoada para tocar em você e te empurrar. Perguntou muitas vezes se eu estava bem, lhe disse que sim e você foi embora, descrente. Foi a primeira das vezes em que você cuidou de mim.
Depois do parque lembro de cruzar com você várias vezes pelas ruas perto de casa, você me chamava pra brincar por consideração e eu recusava, para o alívio de ambas as partes, por medo de pegar piolho. Os anos que seguiram foram assim até a conhecida 'pré-adolescência', fase em que eu, você e todas os outros com nossa idade começamos a nos interessar pelo sexo oposto, fase em que as garotas andavam em bandos dando risadinhas e que os garotos desfilavam com pose de atleta por perto desses bandos. Uma das garotas da nossa turma da escola resolveu dar uma festa, todos os nossos amigos estavam lá e você estava uma gracinha, você me ofereceu um copo de refrigerante e me chamou para passear lá fora, o céu estava lindo e estrelado, você pegou na minha mão e me deu um beijo na bochecha. Foi a primeira vez -das muitas- que namoramos.
O tempo passou e nós passamos com ele, um pouco mais velhos você me chamou para ir ao cinema com você e seus amigos. Aceitei. Na porta do cinema eu esperava nervosa, não sabia porque, mas estava nervosa. Você chegou sozinho, disse algo sobre alguns amigos terem desistido, outros estarem de castigo, outros viajando e outros não terem confirmado se iam, eu, ingênua, acreditei. No meio do filme você me cutucou, eu virei e você me roubou um beijo, passei mais tempo do que gostaria digerindo a informação e você esperando o pior, no fim das contas nos beijamos outra e outra vez. Foi o primeiro dos filmes que não assistimos.
No auge de nosso adolescer, você lembra, o Bruno havia completado dezessete e conseguiu que os pais saíssem de casa para ele dar uma festa, arranjamos bebidas e todo o resto. De todos os convidados, nós éramos os únicos ainda alegres, você me levou para um cômodo qualquer e lá ficamos. Sorrisos, mãos, bocas, barrigas, nucas, coxas, narizes. Foi a primeira vez que nos desejamos.
Por muito tempo seguimos cuidando um do outro, namorando e rompendo sabendo que estaríamos sempre juntos, perdendo cenas cruciais de filmes esquecidos e nos desejando mais e mais até que você se foi. Te levaram de mim e contigo toda aquela certeza. O banco daquele parque foi meu melhor amigo por muito tempo, ele me ouviu, fez companhia, apagou meus cigarros e se molhou com minhas lágrimas, até esperou você voltar. Hoje não choro mais, não choro nem te espero, ninguém nunca voltou do lugar pra onde te levaram -ok, talvez Jesus, mas apenas ele- apenas penso e respiro. Me sinto sufocar toda vez que volto aqui, metade fumaça de cigarro e metade nostalgia, acredito, mas não é uma sensação ruim, me faz acreditar que vou te encontrar mais cedo. Não, não sou nenhum tipo de suicida, mas também não tenho medo de partir. Eu sinto a sua falta.
Porra, e como sinto.
6 comentários:
Viu como você consegue fazer melhor?
Você só errou na idade da gatinha.
aaah nããão!ele não pode ir embora, preferia que ele fosse um filho da puta que abandonou ela grávida.e depois ele voltasse.mas, que droga, as pessoas não podem morrer.
que droga, não olho seu blog a muito tempo, agora qu eu li todos, me arrependo de não ter lido antes xD
Você tá numa fase de pessoas morrendo, reparou? Não que isso seja ruim! Os textos tão ótimos!
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